sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

tinha aquilo,

delicada. Tinha aquele sorriso tão encantador que por tantas vezes o fez perder o fôlego. Tinha convicção no que acreditava, transbordava sinceridade pelos poros. Tinha um abraço que podia ficar horas entrelaçado junto à ela. Uma, duas, três vezes. Ou mais.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

porcelana

(achado no diário dela)
Feito porcelana resistente e frágil linda decorada pintada à mão. Trincado está meu pensamento fragmentado multiplicado em vários pedacinhos todos eles cortantes não podem ser colados nem remendados nem repartidos. São caquinhos quadrados ponteagudos colocados na mesa pra te cortar me machucar nos trazer o sangue a vida a dor externa e interna... intensa.

três

Três horas haviam se passado e ela simplesmente desapareceu. Nem sequer passou na loja de tecidos na Rua Direita - seu passeio predileto. Ele, três horas depois, não sabia o que fazer. Já tinha roído as unhas, polido os sapatos, comprado um sorvete. Na verdade foram dois, mas ele estava tão nervoso e inquieto que nem percebeu.
- Não sei. É muito estranho que você ainda não esteja aqui. Se vou embora tenho medo de te deixar sozinha. Mas se eu fico aqui continuarei sem notícias tuas igualmente. Agora não sei mais se realmente tínhamos marcado um encontro aqui, hoje, como sempre temos feito este tempo todo, ou se vim até aqui sem pensar. Sem saber ao menos se você viria ao meu encontro. Agora me encontro só, e sozinho está o meu pensamento. Espere: acho que você comentou alguma coisa ontem à noite. Ah sim, agora me lembrei. Disseste que não vinha mais. Que não tinha mais o porquê. A minha insensibilidade fez com que seu comentário saísse pelos ouvidos como um sopro. Vai! Segue teu caminho. Vou embora, não sei pra onde, não sei porquê, não sei. Mas prefiro que você continue a trilhar teu caminho. Não quero mais fingir que ouço alguma coisa. Talvez já esteja aqui te esperando muito mais do que três horas. Talvez.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

fitam-se os olhos

Tinha como por fixação ir até a frente da escola e observá-la, ainda que escondido nos postes e entre os carros. Carregava consigo uma caixinha preta, daquelas mesmo bem antigas. Seus olhos azuis fitavam-a com atenção. E ela, ao perceber tamanha atitude, veio de encontro ao rapaz, que enrubrecido, disse:
- Pois te olhava assim como olhava o céu.
- Eu bem sei que todos os dias vens aqui e me espera calado.
- Mas é que...
- Não digas mais nada. O que trazes nesta caixinha?
- Te trago um pouquinho de mim. Está aqui, olhe.
Ela abriu a caixa e viu uma foto do rapaz. Abrindo um sorriso quase-que-de canto-da-boca, esboçou contentamento.
- Mas por quê colocaste sua foto numa caixa?
- A caixa é tua agora.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

a abóbora

eu estou aqui, e você? achei que ia melhorar pela manhã. tô preocupado com você, acredite. teus sorrisos nunca mais foram os mesmos depois daquela noite. tens esta mania tola de se colocar numa caixinha e de lá não sair, haja o que houver. acredite mais em mim, nas coisas ao teu redor. levante a cabeça e trate de comprar um bom terno, um sapato envernizado e meias novas também, por favor. deixe-as camisas comigo, faço questão de comprar uma azul. é a cor que mais gosta, não é mesmo? hum, espere. você está chorando? eu disse alguma coisa pra você de errado? por favor, me perdoe. só quero que você lembre daquela noite com ternura. deixe de lado todas as mágoas, todos os achismos. lembra que naquela mesma noite eu dancei com você a sua valsa predileta? talvez teus olhos já não estavam mais ali. estavam longe, de certo. percebi que você não chegou nem a marejar os olhos. logo você que é tão sentimental. queria que você reavivasse tudo isso. lembro como se fosse ontem quando você pediu pra que eu escutasse esta mesma valsa bem baixinho. que a ouvisse com mais afinco. acho que ali eu te conheci por inteiro. quando vi teus olhos marejarem a cada novo acorde, estremeci. depois daquela noite não vi mais a cor dos teus olhos. acho que senti que sua alma estava sem cor. nem o azul tinha sobrevivido. me escutaste agora? compreenda que não quero teu julgamento, não quero tua resposta; só quero que tenhas novamente este azul no brilho dos teus olhos, quero que apenas escute a sua valsa. que escute à si mesmo e à todos que tem perguntado por você.